RECORDANDO
Waldir Carvalho
“A folhinha açoitada
pelo nordeste, assinalava 21 de janeiro de 1933. Com os meus dez anos
incompletos e a minha calça curta de suspensórios, cavalguei pajeado pelo bom
Antônio, durante horas infindas por toda a imensidão dos campos da Boa Vista,
deixando para trás: Santo Amaro, Andreza e Cotia.
O vetusto solar que
havia abrigado o general Pinheiro Machado e que se constituía no “sobrado” dos
Irmãos Saldanha, foi o primeiro motivo de admiração para meu espírito de
criança.
Penosa a caminhada, mas
a busca do desconhecido, dava- me ânimo necessário para prosseguir.O canto
lúgubre do vento a lamber incessantemente a planície sem fim,parecia-me com o
gemido de almas penadas de histórias que ouvi de Balabá,ou quem sabe, com o
lamento perdido, a vagar pela região, dos escravos de Juca Pinto.
A emoção me trancava a
garganta, qualquer expressão de regozijo. Meus olhos, tais quais pernas de
compasso passeavam livres do Xexé ao
Algodoeiro, à procura de nem sei o quê.As andorinhas, aos bandos faziam verão e
lembrando as donzelas desconfiadas da redondeza,se mostravam incapazes de cair
neste ou naquele laço.Os urubus,em atenta observação junto às nuvens pareciam
planejar o próximo banquete.
Eis que algo de novo
aconteceu. A paisagem ganhou nova dimensão, surgiu um novo atrativo para os
meus olhos já cansados de belezas: o
Farol! São Tomé à vista! Era preciso ver pra crer...
O tapete aveludado,
onde as codornas se escondem dos cães, permitiu que os cascos impiedosos do
animal, o pisassem, enquanto a alegria ia crescendo na alma do pequeno e
curioso viajante.
Enfeitando o solo de
turmalina, divisava-se o prateado de um estreito e retorcido riacho. Uma ponte,
tão rústica me levou a imaginar, tenha sido obra dos “heréos” na efêmera
temporada na terra goitacá.
A brisa que soprava
agora era mais agradável. Tinha a frescura
da maresia.
Guiado pela carreira de
postes telegráficos fui seguindo ao ritmo massacrante do trote que me oferecia
o meu cavalo. E o Farol, marco legendário perdido naquele deserto de areias cor
de gemada,ia crescendo,crescendo,se agigantando.Majestoso!Uma pausa para
descanso do quadrúpede amigo e para contemplar abismado os cinqüenta metros de
construção metálica,sustentando o volumoso projetor de fabricação francesa.Ali
estava o guia dos navegantes e dos retardatários peões da Fazenda Boa Vista.
Mais adiante, o ponto
alto do espetáculo: o mar. Indescritível o que senti naquele momento. A
vastidão oceânica tinha um aspecto fantástico. O belo (a cortina que se
abria) e o horrendo (o ronco, como um
trovão, que se elevava de suas águas revoltas) se mesclavam: a ondulação
iniciada ao longe ia se avolumando ao se aproximar da terra firme formando uma
curiosa cordilheira, para em seguida derramar-se - violentamente -sobre indefesos crustáceos, e
culminar beijando a areia carinhosamente.
Há dois palmos acima das ondas, um pássaro
malabarista, preparava-se para fisgar um peixe...
Tudo tão
maravilhoso,tão real ainda hoje em minhas lembranças, que ouso dizer,encarnando
o menino que julgo sempre ser ,afirmo que ótimo foi o tempo,que no dizer de
Casemiro de Abreu, “os anos não trazem mais”!...
(Verão/94)
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