terça-feira, 26 de dezembro de 2017

WALDIR À CAMINHO DA PRAIA DO FAROL DE SÃO TOMÉ (1933)

 
RECORDANDO
Waldir Carvalho
“A folhinha açoitada pelo nordeste, assinalava 21 de janeiro de 1933. Com os meus dez anos incompletos e a minha calça curta de suspensórios, cavalguei pajeado pelo bom Antônio, durante horas infindas por toda a imensidão dos campos da Boa Vista, deixando para trás: Santo Amaro, Andreza e Cotia.
O vetusto solar que havia abrigado o general Pinheiro Machado e que se constituía no “sobrado” dos Irmãos Saldanha, foi o primeiro motivo de admiração para meu espírito de criança.
Penosa a caminhada, mas a busca do desconhecido, dava- me ânimo necessário para prosseguir.O canto lúgubre do vento a lamber incessantemente a planície sem fim,parecia-me com o gemido de almas penadas de histórias que ouvi de Balabá,ou quem sabe, com o lamento perdido, a vagar pela região, dos escravos de Juca Pinto.
A emoção me trancava a garganta, qualquer expressão de regozijo. Meus olhos, tais quais pernas de compasso passeavam livres  do Xexé ao Algodoeiro, à procura de nem sei o quê.As andorinhas, aos bandos faziam verão e lembrando as donzelas desconfiadas da redondeza,se mostravam incapazes de cair neste ou naquele laço.Os urubus,em atenta observação junto às nuvens pareciam planejar o próximo banquete.
Eis que algo de novo aconteceu. A paisagem ganhou nova dimensão, surgiu um novo atrativo para os meus olhos já cansados de belezas:  o Farol! São Tomé à vista! Era preciso ver pra crer...
O tapete aveludado, onde as codornas se escondem dos cães, permitiu que os cascos impiedosos do animal, o pisassem, enquanto a alegria ia crescendo na alma do pequeno e curioso viajante.
Enfeitando o solo de turmalina, divisava-se o prateado de um estreito e retorcido riacho. Uma ponte, tão rústica me levou a imaginar, tenha sido obra dos “heréos” na efêmera temporada na terra goitacá.
A brisa que soprava agora era mais agradável. Tinha a frescura  da maresia.
Guiado pela carreira de postes telegráficos fui seguindo ao ritmo massacrante do trote que me oferecia o meu cavalo. E o Farol, marco legendário perdido naquele deserto de areias cor de gemada,ia crescendo,crescendo,se agigantando.Majestoso!Uma pausa para descanso do quadrúpede amigo e para contemplar abismado os cinqüenta metros de construção metálica,sustentando o volumoso projetor de fabricação francesa.Ali estava o guia dos navegantes e dos retardatários peões da Fazenda Boa Vista.
Mais adiante, o ponto alto do espetáculo: o mar. Indescritível o que senti naquele momento. A vastidão oceânica tinha um aspecto fantástico. O belo (a cortina que se abria)  e o horrendo (o ronco, como um trovão, que se elevava de suas águas revoltas) se mesclavam: a ondulação iniciada ao longe ia se avolumando ao se aproximar da terra firme formando uma curiosa cordilheira, para em seguida derramar-se -  violentamente -sobre indefesos crustáceos, e culminar beijando a areia carinhosamente.
 Há dois palmos acima das ondas, um pássaro malabarista, preparava-se para fisgar um peixe...
Tudo tão maravilhoso,tão real ainda hoje em minhas lembranças, que ouso dizer,encarnando o menino que julgo sempre ser ,afirmo que ótimo foi o tempo,que no dizer de Casemiro de Abreu, “os anos não trazem mais”!...
 (Verão/94)


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