segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

WALDIR E O MAR


(Foto: Walnize Carvalho)

 Crônica, que retrata a primeira visita do escritor ao Farol de São Tomé:

RECORDANDO
(Waldir Carvalho)
                                   

      “A folhinha açoitada pelo nordeste, assinalava 21 de janeiro de 1933. Com os meus dez anos incompletos e a minha calça curta de suspensórios, cavalguei pajeado pelo bom Antônio, durante horas infindas por toda a imensidão dos campos da Boa Vista, deixando para trás: Santo Amaro, Andreza e Cotia.
     O vetusto solar que havia abrigado o general Pinheiro Machado e que se constituía no “sobrado” dos Irmãos Saldanha, foi o primeiro motivo de admiração para meu espírito de criança.
     Penosa a caminhada, mas a busca do desconhecido, dava- me ânimo necessário para prosseguir. O canto lúgubre do vento a lamber incessantemente a planície sem fim, parecia-me com o gemido de almas penadas de histórias que ouvi de Balabá, ou quem sabe, com o lamento perdido, a vagar pela região, dos escravos de Juca Pinto.
      A emoção me trancava a garganta, qualquer expressão de regozijo. Meus olhos, tais quais pernas de compasso passeavam livres  do Xexé ao Algodoeiro, à procura de nem sei o quê. As andorinhas, aos bandos faziam verão e lembrando as donzelas desconfiadas da redondeza, se mostravam incapazes de cair neste ou naquele laço. Os urubus, em atenta observação junto às nuvens pareciam planejar o próximo banquete.
       Eis que algo de novo aconteceu. A paisagem ganhou nova dimensão, surgiu um novo atrativo para os meus olhos já cansados de belezas: o Farol! São Tomé à vista! Era preciso ver pra crer...
    O tapete aveludado, onde as codornas se escondem dos cães, permitiu que os cascos impiedosos do animal, o pisassem, enquanto a alegria ia crescendo na alma do pequeno e curioso viajante.
     Enfeitando o solo de turmalina, divisava-se o prateado de um estreito e retorcido riacho. Uma ponte, tão rústica me levou a imaginar, tenha sido obra dos “heréos” na efêmera temporada na terra goitacá.
      A brisa que soprava agora era mais agradável. Tinha a frescura  da maresia.
       Guiado pela carreira de postes telegráficos fui seguindo ao ritmo massacrante do trote que me oferecia o meu cavalo. E o Farol, marco legendário perdido naquele deserto de areias cor de gemada,ia crescendo,crescendo, se agigantando. Majestoso!
      Uma pausa para descanso do quadrúpede amigo e para contemplar abismado os cinqüenta metros de construção metálica, sustentando o volumoso projetor de fabricação francesa. Ali estava o guia dos navegantes e dos retardatários peões da Fazenda Boa Vista.
        Mais adiante, o ponto alto do espetáculo: o mar. Indescritível o que senti naquele momento. A vastidão oceânica tinha um aspecto fantástico. O belo (a cortina que se abria)  e o horrendo (o ronco, como um trovão, que se elevava de suas águas revoltas) se mesclavam: a ondulação iniciada ao longe ia se avolumando ao se aproximar da terra firme formando uma curiosa cordilheira, para em seguida derramar-se -  violentamente -sobre indefesos crustáceos, e culminar beijando a areia carinhosamente.
      Há dois palmos acima das ondas, um pássaro malabarista, preparava-se para fisgar um peixe...
      Tudo tão maravilhoso, tão real ainda hoje em minhas lembranças, que ouso dizer, encarnando o menino que julgo sempre ser, que ótimo foi o tempo, que no dizer de Casimiro de Abreu, “os anos não trazem mais”!...”
      (Verão/94)




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